Acordei outro dia sem nenhuma inspiração para escrever alguma coisa para o blog. Tem dias que amanheço ágil, vibrátil, imaginativo. Noutros, a mão pesada da preguiça mental e a apatia me deixam sem assunto. Na noite anterior, tinha acabado de ler “Rê Bordosa, do começo ao fim”, de Angeli, quadrinhos sobre uma personagem alcoólatra, ninfomaníaca e desbocada que vivia de ressaca em uma banheira. O livro saiu pela Editora L&PM em 2007. Peguei por acaso na casa de um amigo.
Pois o livrinho estava ao lado, e eu pensando sobre o que escrever, porque me dei essa tarefa de atualizar este blog todas as manhãs depois de acordar, mas tem manhãs que não combinam bem com o exercício da escrita. Ou porque são dias seguintes de Rê Bordosa ou os campos mais pródigos de nossa mente estão ocupados com alguma deprê fora de tempo. Passei a vista no catálogo da L&PM que me deu a ideia de enfileirar os títulos das obras, amarrados por um enredo nonsense. Saiu a “Crônica do catálogo da L&PM” para encher linguiça na Toca do Leão em dia infértil.
Hoje, recebi e-mail de Ivan Pinheiro Machado: “Alô Fábio! Está demaaais o seu texto! O pessoal curtiu muito aqui na L&PM. O desfile dos títulos dos livros dando sentido ao texto está muitíssimo bem amarrado! É uma honra para nós. Obrigado. Abraço do Ivan PM”. Esse Ivan é o PM da Editora L&PM, que, segundo a Wikipédia, é uma editora gaúcha de grande prestígio no mundo editorial brasileiro, a que tem a maior coleção de livros de bolso do país, reunindo um amplo painel de literatura clássica e moderna. É a editora de feras como Millôr Fernandes, Luiz Fernando Veríssimo e Mário Quintana.
Vejam como a internet com seus sites de busca acabou com o anonimato. Um simples blog do interior da Paraíba citando uma editora do Rio Grande do Sul já chega imediatamente ao conhecimento do dono, que por sua vez interage quase em tempo real.
Esse mundo da internet é uma coisa esquizofrênica, porque a maioria das pessoas quer mesmo alimentar e se alimentar de egos, essa histeria coletiva de Twitter e Facebook e não sei o que mais, uma carência absurda de ser reconhecido por todos. A gente sofre de atazagorafobia, que é o medo irracional de ser ignorado. Aí, quando uma editora famosa lê nossa croniqueta e passa recibo, o leãozinho agradece e segue em frente, de vez em quando fugindo do óbvio com essas crônicas até criativas.
Pois não, seu Ivan! Também é uma honra para a Toca do Leão ser lido pelo pessoal da L&PM.
Crônica do catálogo da L&PM
Dois irmãos, Esaú e Jacó, embarcaram na barcarola com espírito de conquistadores em contos breves para compor o livro dos desaforos escrito à mão e à luva pelo doutor Miragem. O penitente Édipo Rei jazia com a cuca fundida lendo o Diário da Descoberta da América ao lado de Romeu e Julieta em Hollywood, tendo na retaguarda Billy the Kid, o jogador, lendo o livro da selva no vale do terror.
Todos liam enquanto dançavam o tango em Porto Alegre. Júlio Verne quase desiste de compor “A volta ao mundo em oitenta dias” para escrever o livro dos esnobes e Alice no país das maravilhas. Esaú e Jacó eram inimigos, mas acreditavam na ressurreição do Guarani nas cidades e nas serras, pensando na mulher de trinta anos, uma pomba enamorada dos contos fluminenses. Antes de Adão, eu e outras poesias tivemos intervalo amoroso no memorial de Aires, com naufrágios e comentários de textos anarquistas no livro das maravilhas.
Helena e Ubirajara queimaram o pirotécnico Zacarias com total inocência, numa estação de amor. Nesta, a vida de Mozart, velho maquinista, condensava poesia reunida na ilustre casa de Ramires, onde um espinho de marfim traçava memórias de Sherlock Holmes com a ajuda de Lucíola, Antígona e Otelo gritando pela liberdade de imprensa.
Numa casa de pensão, São Manuel Bueno, Mártir, era o noviço das chafurdações de Eurico, o presbítero, que passou sete anos no Tibet como um vagamundo, sonhando com as minas de Salomão, sofrendo de repente acidentes no cortejo do divino rezando: “viva e deixe morrer!”
O signo dos quatro desvendou os crimes de amor no deserto, onde os Tuaregs confirmavam que os diamantes são eternos nos seis bustos de Napoleão. Um uivo interrompeu a ciclista solitária deserto a dentro, ela que buscava um longo adeus enquanto cantava “Besame mucho”. Macbeth não escreveu as notas de um velho safado, mas foi autor de memórias de Garibaldi, o grande deflorador. Por isso, dizia-se homem do princípio ao fim enquanto cooptava Aline e seus namorados e escrevia confissões de um comedor de ópio em dias e noites de amor e de guerra.
O vampiro de Sussex mordeu Flávia, cabeça, tronco e membros sem etiqueta na prática, lendo o manifesto do Partido Comunista e assumindo ser um inimigo do povo e responsável pelo paraíso destruído. O gato no escuro queria ser o mágico de Oz nos céus de Paris, afanando a carteira do meu tio que continha o retrato de Dorian Gray e a flexa de ouro na ilha do tesouro, onde se desenrolaram as aventuras de Simbad, o marujo.
Tomando a luneta mágica, o Dr. Negro e o príncipe sapo, unidos para sempre, compuseram a arte de amar o sono eterno na nova catacumba onde a bela adormecida declamava confissões e memórias nos verdes vales do fim do mundo. De topless, Lisístrata apascentava suas ovelhas negras com humor politicamente incorreto, enquanto se desenrolava o teatro do bem e do mal nos 10 dias que abalaram o mundo.
“Brasil terra à vista”, exclamou Júlio César para a dama das camélias, compondo uma dupla sertanojo e confirmando que não há nada de novo no front.
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